Caros Colegas
Todos temos um tempo.
Ao longo da minha vida profissional com ligação à área dos dois saberes, Medicina e Direito, tenho sido confrontado com as mais variadas situações relacionadas com o tratamento das lesões e avaliação das sequelas do foro ortopédico, no domínio do Direito Civil, Direito do Trabalho e Direito Penal.
“A verdade é como a arte e depende do olhar de quem a vê”.
O tribunal é a montra do trabalho do Ortopedista.
Ao longo destes anos, aprendi o quão difícil é julgar, mas sobretudo percebi o que não devo fazer.
Aprendi que:
– O Ortopedista pode ser confrontado em tribunal porque aplicou uma artroplastia total da anca com cimento no canal femoral até ao joelho.
– O Ortopedista pode ser confrontado em tribunal quando o paciente ficou com dismetria dos membros, sendo esta a maior causa de litígio nos Estados Unidos.
– Não é legítimo o doente sair da sala de operações com a cúpula acetabular verticalizada a 140º.
– Uma explicação plausível aos familiares perante eventuais complicações cirúrgicas pode resolver a maioria dos conflitos (Ex. familiares de paciente que faleceu durante o ato operatório, a única informação prestada foi a despesa hospitalar).
– Devemos ser cordiais em tribunal na abordagem de questões delicadas, nomeadamente patologia da coifa dos rotadores e raquialgias, com a noção que nenhum de nós é detentor da verdade absoluta.
– Regra geral, os pacientes da seguradora são mais difíceis de tratar.
– Muitos casos que foram catalogados como acidentes de trabalho se devem à falta de esclarecimento dos colegas sobre o que é um acidente de trabalho.
– Uma entorse grau I do tornozelo não pode implicar 9 anos de incapacidade temporária (baixa médica) e uma IPP de 45%, com a conivência de Ortopedistas.
– A “sinistrose/simulação” é frequente, mas fundamentalmente persiste também com a conivência do ortopedista.
– Os sub-sistemas de saúde dificilmente vão sobreviver se o ortopedista não for mais correto na caracterização do acidente ou doença profissional.
– Alguns sinistrados têm fundamentadas razões quando se queixam pela maneira como foram tratados pelos serviços clínicos da seguradora.
– As situações de conflito médico/paciente têm vindo a aumentar e a nova geração de Ortopedistas seguramente vai ser confrontada com maior número de casos médico-legais.
– Aprendi que é preferível ser médico/perito a paciente/sinistrado. “Só há uma dor fácil de suportar – a dos outros (Leriche)”.
No panorama geral da avaliação das sequelas, as lesões do foro ortopédico são indiscutivelmente as mais frequentes.
Há vários anos que venho chamando a atenção aos diferentes responsáveis da SPOT e do Colégio da Especialidade de Ortopedia sobre a importância da temática e das possíveis implicações.
Tenho o meu tempo.
E quando me preparava nesta fase da minha viagem para escrever umas palavras sobre tudo e nada, no dia 8 de Maio de 2014, estava no Hospital de S. João a caminho das 1ºas jornadas da Anca, quando recebo um telefonema do Sr. Presidente da SPOT Prof. Jorge Mineiro a endereçar-me um convite para coordenar um Grupo de Estudo em Avaliação do Dano Corporal e Questões Médico-Legais da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia.
Aceitei por dois motivos:
1) Pelo facto de haver vários alertas sobre a necessidade de criar um grupo de estudo relacionado com esta área do saber.
2) Porque tenho o dever de transmitir à geração vindoura os conhecimentos que ao longo da minha vida profissional e pessoal retive sobre a temática, que seguramente vai ter uma tarefa muito mais complicada que a minha geração.
Foi sobretudo a pensar nos jovens médicos e porque é na juventude que está a capacidade transformadora da sociedade, entendi convidar para dinamizar esta aventura, uma equipa jovem assessorada por especialistas “CONSULTORES SENIORES” da área Médica e do Direito que a seu tempo serão divulgados.
Porque os interesses são diferentes, os saberes são diferentes, as sensibilidades são diferentes, mas porque todos nós complementamos e somos poucos para abarcar este novo projeto, ficam todos sem exceção convidados para participar neste desafio.
Obrigado a todos.
Aos colegas que eventualmente ainda pensam que esta área do saber não tem qualquer interesse nem tem nada a ver com eles eu respondo:
Alguns ortopedistas estão ligados às seguradoras para tratamento dos sinistrados e precisam de estar por dentro desta temática.
1) Alguns ortopedistas estão ligados às seguradoras para tratamento dos sinistrados e precisam de estar por dentro da legislação.
2)Alguns Ortopedistas são peritos médico-legais e têm que ter formação nesta área.
3)Todos os Ortopedistas são potenciais sinistrados.
4)Todos os Ortopedistas, sem exceção, podem estar implicados em questões médico-legais perante um eventual erro médico, pedido de indemnização por parte dos pacientes ou colegas, falta de esclarecimento do consentimento informado…
Há mais de 15 anos que exerço as funções de consultor de medicina legal. Fruto dessa minha ligação, procurei atualizar-me e escrever e sobretudo falar da minha experiência.
No livro “Uma Outra Visão” escrevi:
O mal não está nas Tabelas em si mesmas, mas nos seus aplicadores e porventura na sociedade e no seu todo. A Tabela para funcionar como elemento puramente indicativo, pressupõe uma sociedade mais avançada e esclarecida nos conceitos e peritos com formação bastante, que coloquem todo o amor no que fizerem, respeito e gratidão pela dor do semelhante, proporcional ao seu saber. Para discutir questões técnicas com elevação, implica saber. Estar por dentro da matéria e dos conceitos. Sobretudo consciência bem formada. Talvez por isso, o conceito atual da peritagem médico-tabelar acabe por ser desvirtuado e as Tabelas na prática são a “Bíblia” no pior sentido.
Estamos todos no mesmo barco para ensinar e aprender, nesta escola da vida. Se quisermos ter uma visão com impacto global na avaliação das sequelas, professores e alunos, teremos que aprender com os verdadeiros sinistrados.
Dado que a minha idade já o permite, deixo um conselho à vossa juventude: sintam-se merecedores do que seguramente irão conquistar durante o vosso percurso. E têm tanto para conquistar.
Ao longo da minha viagem profissional, aprendi que ninguém nos oferece nada. Aquilo que somos, conquistamos e temos que o merecer. Comigo foi assim.
Sempre procurei transmitir com simplicidade e o mais fiel possível o pouco que retive de tudo o que aprendi.
Se eu conseguir:
• Convencer-vos a escrever os vossos sonhos todos os dias sem exceção
• A concentrarem-se neles e a sentir o vosso empenho com alegria
• A ler e a visualizar o que ainda vos espera
Garanto-vos que um dia sentir-se-ão realizados e até se calhar lembrar-se-ão deste vosso amigo.
Lembro-me ainda hoje muito bem do dia em que tudo começou para mim. Nunca poderei esquecer as palavras do meu grande Mestre e amigo Senhor Prof. Norberto Canha no meu início da especialidade de ortopedia: “Não quero que sejam bons, quero que sejam os melhores”. Garanto-vos que é absolutamente verdade e que isso foi a empolgante rampa de lançamento da minha atividade como clínico e como perito.
Hoje, ao escrever estas linhas, estou a viver um desses meus sonhos que acabo por nunca acabar de escrever, pois é a minha função diária.
Enchei a vossa mente e os vossos dias com esses sonhos pessoais e profissionais sempre cada vez mais altos no que eles têm de dignificantes e verdadeiros.
Esses ideais complementam-se e tornar-se-ão a vossa vida…
Quero que sejam bons, os melhores…
Francisco Lucas
Caros Colegas
A direção da SPOT decidiu concretizar um projeto de há muito que era criar um Grupo de Estudo sobre o Dano Corporal. É uma área com interesses por vezes antagônicos pois se por um lado é um tema no qual os ortopedistas se têm diferenciado ao longo dos anos, por outro é uma área de que todos nós médicos devemos ter mais conhecimento pois somos hoje um alvo preferencial de certas “aves de rapina” frequentes em diversos “galhos” da nossa sociedade.
Para coordenar este Grupo de Estudo decidimos convidar o Dr. Francisco Manuel Lucas de Coimbra. É um homem que tem diversas provas dadas dentro e fora do país, autor de diversos livros sobre esta temática é convidado frequente para palestrar em conferências e cursos sobre este tema nos dois lados do oceano atlântico.
O “Dano Corporal” terá uma área no site da SPOT com uma parte pública e outra privada para os sócios, onde existirá um “canal” de discussão de casos clínicos bem como uma área de opinião e conselho para os sócios da nossa sociedade. Por sugestão do coordenador esta seção terá alguns consultores não médicos, juristas que também darão o seu parecer jurídico, experiente e profissional que a todos interessa.
Ao Dr. Francisco Lucas lançamos este enorme desafio de organizar e dinamizar este Grupo de Estudo que temos esperança possa um dia tornar-se numa das secções da SPOT. Segue junto o manifesto do coordenador do Grupo de Estudo e a quem desejamos as maiores felicidades nesta sua tarefa.